quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Reflexão -Artigo- Padre Zezinho


 A espetacularização da fé anda em alta nas mais diversas igrejas cristãs. Pregadores e igrejas estão se tornando uma verdadeira indústria de comunicação religiosa com direito a chaveiros, camisetas, livros, Cds e clube de fãs com o rosto do pregador nos seus trajes ou nas entradas dos templos. Num tempo de intenso marketing talvez seja possível justificar esta exposição do rosto do discípulo, mas ficará sempre a dúvida: divulgou ou divulgou-se?
Foi Paulo, o apóstolo sem medo de se expor que, na linha de Mateus 10,27 nos brindou com a noção de mídia vivida de maneira cristã. De cima dos telhados, sim, mas para que mais gente o ouvisse e não para ser visto e aplaudido por mais olhos e mãos. Nem Jesus nem Paulo fizeram da fé um espetáculo. Jesus várias vezes proibiu que divulgassem seus milagres. ( Mt 16,20; Mc 7, 36; Mc 8,4 ; Mc 8,30).
Ao dizer que era exposto aos olhos do mundo (1 Cor 4,9 ) Paulo deixou claro que não o era pelos prêmios, troféus e aplausos de pódio e sim que estava sujeito às dores do púlpito. Sentia-se como as vítimas jogadas aos leões no Circo Máximo. Não havia glória nem aplauso. Releiamos o texto:
Penso comigo, que Deus pôs a nós, apóstolos, por últimos, como condenados à morte; porque somos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos, e aos homens. (I Cor 4, 9)
O mesmo Paulo, ao lembrar que venceu porque não desistiu e não foi embora do seu compromisso não fala em derrota do outro e, sim, em vitória pessoal porque lutou com ética, fez um bom combate, chegou ao fim da corrida e guardou a fé. Foi difícil, mas manteve a palavra dada. (2 Tm 4,7) Foi fiel ao que prometera. Fidelidade é um dos temas centrais da pregação de Paulo. Não se vai embora da família, do evangelho e da Igreja porque está difícil continuar. O evangelho não depende do que dá mais lucro ou mais satisfação.
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Evangelizar, para Paulo é pastoral social e catequética. É missão e convite do céu e da Igreja e não fruto de conquista pessoal e marketing pró indivíduo. Não funciona na base do “quero me divulgar e ser muito conhecido porque, assim, eu poderei tornar Jesus conhecido!” Parece lógico, mas não é cristão. Equivale a expor-se para expor, vender-se para vender.
Quando o pregador põe preço alto para sua pregação, esquece o que dizia Paulo na 2 Cor 11,8 e na 1 Ts 2, 6-9. Ele fez de tudo para não ser pesado ás comunidades às quais pregava. Não quis dar trabalho nem custar caro. O preço da pregação de Paulo era pequeno e ele nada lucrava com o evangelho. Fazia coletas para os pobres ( Rm 15.26. 1 Cor 16,1 ) mas ele mesmo imitava Jesus que vivera na pobreza ( 2 Cor 8,.9 ) Não levou vantagem ao pregar o evangelho. Aliás, foi perseguido, houve gente que jurou não comer enquanto ele não fosse morto ( At 23,12) Experimentou fome, sede frio e nudez ( 1 Cor 1,27) A Paulo não se poderia aplicar a severidade de Jesus contra pregadores que catam dinheiro das pessoas carentes a pretexto de longas orações. O castigo deles será maior. (Mc 12,40)
Paulo tinha consciência das dores do povo. Mas não os enganava com evangelhos agradáveis. (Gl 1,8 ) Disse a Timóteo que devia pregar sem a preocupação de agradar. ( 2 Tm 4,1-5) Fosse gentil e compassivo, mas fosse exigente e sóbrio em tudo ( 2 Tm 4,5). Todos teriam, porém que ser pacientes até ao admoestar ( I Ts 5,14) Que os colossenses se tratassem bem mas se admoestassem mutuamente se fosse o caso. (Cl 3,6)
Paulo oferecia Jesus Cristo e este crucificado e não vitorioso, não maquiado e produzido de maneira a agradar a plateia, nem um Cristo luminoso e adocicado que responde a atende ao pregador que invoca seu nome um determinado número de vezes. O pregador que teatraliza e chora dramaticamente diante das câmeras ao pedir pelo seu povo não receberia aprovação nem de Paulo nem de Jesus! Paulo ia ao cerne! Pregava quem era escândalo para os judeus e causa de escárnio para os pagãos. (1 Cor 1,23)
O pregador Paulo distinguia entre missão de mostrar Jesus diante dos holofotes e ambição de aparecer e mostrar-se aos holofotes para depois mostrar Jesus. Ele ficava atrás do Jesus que revelava ao povo e não à frente para anunciar o Jesus que viria depois. Não era o apresentador espalhafatoso tipo Ratinho e Faustão que mais aparece do que apresenta porque o show é ele! Paulo era o corajoso mestre, cujo viver era o Cristo. Ficaria feliz se conseguisse que ao menos alguns dos que o ouviam aceitassem Jesus. Não mirava a multidão. Mirava a profundidade. Falou com respeito das santas mulheres, das que o auxiliavam e das senhoras serenas a quem o evangelho devia muito, mas na 2 Tm 3,6-7 ironizou as mulheres carregadas de pecado e superficialidade que não estão lá para aprender coisa alguma…
Desejou que os Efésios (Ef 3,18) entendessem das múltiplas dimensões do Cristo e crescessem sabendo da altura, da profundidade, do comprimento e da largura deste mistério que supera qualquer conhecimento e entendimento! Era esta a finalidade do seu púlpito e da sua pregação. Ele preferia até ser anátema, um esquecido e ignorado, desde que seu povo descobrisse Jesus!
Falou em sermos dados em espetáculo e não em dar espetáculo. Falou em conquistar alguns para Cristo e não para si mesmos. Não quis discípulos a qualquer preço, não se colocou em primeiro, nem quis este posto, não disputou preferências, não procurou holofotes e não fez marketing de si mesmo.
Quando falou de si apontou-se como o menor dos apóstolos e lembrou que era fruto da compaixão de Cristo. De bom grado falou de suas derrotas, mas hesitava em falar de suas vitórias em Cristo, exceto a vitória sobre si mesmo. Está tudo lá para quem tem por hábito ler o Novo Testamento. Tinha-se na conta de vencedor porque sabia perder e sabia da sua força porque aprendera a administrar suas fraquezas. E descobriu que Jesus não tira a cruz de nossos ombros e, sim, nos ensina a carregá-la. Ele não tira o peso, dá sua graça e, de repente, o fardo é suportável. A vida não vira um saco de penas, mas dá para levá-la.
Nas mídias religiosas de hoje, mercê de intenso marketing da fé exercido por indivíduos e igrejas que gastam boa parte do seu tempo de pregação para falar de suas arrecadações, de suas obras recém publicadas ou de suas relações e realizações, desvirtuou-se a função do microfone, do teclado e das câmeras a serviço da fé. Ficou mais a serviço do evangelizador e do mensageiro do que o evangelho e da mensagem.
É por isso que aos que ainda pensam no que que veem e ouvem parece cada dia mais escandalosa a atitude dos que, ao invés de serem dados em espetáculo se dão em espetáculo. Não são os holofotes que os procuram, são eles que procuram os holofotes. Acham um jeito de estar onde haja câmeras e microfones de longo alcance por perto. Não é o palco que lhes é oferecido; são eles que se oferecem e se anunciam na esperança de serem convidados a cantar e a pregar. Não é a emissora que os chama e pede entrevista: eles a procuram, porque acham que têm o que dizer e precisam de espaço. Não esperam pelo mérito. E uma vez lá aceitam qualquer esquema e situação para não perderem aquela chance de serem vistos. Vivem o que constata o sociólogo Jean Baudrillard: Sou visto, logo existo!
Faltam-lhes a ética e a ascese da comunicação da fé. Colocam-se em evidência exagerada, sejam eles padres ou pastores e centralizam a atenção em si. Há um protagonismo excessivo na TV e nos palcos onde são tratados como se fossem semideuses da fé. Entram e saem com guarda-costas, coisa que Jesus não tinha e duvido que os quisesse.
Alguém dirá que o papa os tem. Mas o Papa é chefe de Estado e há leis internacionais regulamentando essas relações. Diferente é o caso do artista de televisão ou de cinema, ou do ídolo dos esportes. Houve promoção para que isto acontecesse. Venderam a imagem para depois vender o produto: jogador famoso custa mais caro; artista famoso cobra mais. Mas provocam mais e por isso precisam por barreiras entre eles e o povo. Toda vez que o mensageiro fica maior do que a mensagem as pessoas quererão a atenção dele e não necessariamente o que ele dize. Tocá-lo fica mais importante do que ouvi-lo. E não falta quem explore isso vendendo toalhinha com o seu suor, fotos e posters a preço diferenciado!
Uma séria reflexão sobre a alta exposição dos pregadores deveria ser conduzida por nossa Igreja. Até que ponto a pregação pode ser espetáculo, e quando deixa de ser pregação da Palavra para se tornar acentuação excessiva do pregador? Até que ponto o rosto do pregador anda mais exposto do que sua mensagem? Até que ponto divulgam-se mais as orações e reflexões de um pregador do que os documentos oficiais da nossa Igreja ou a fala do papa? Até que ponto é justo que um pregador use todos os dias da mídia para falar de sua obra e no ano inteiro nunca falou dos documentos dos bispos e do papa nem dos livros do papa que certamente mereceriam ser conhecidos?

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